Monday, April 30, 2007

Mais Além

Desfia-te a ti mesmo
A fio, de fio a pavio,
Como em prece
Sem pressa
Mas nunca revele,
Nunca revele as entrelinhas.

Está no perfume do enigma
Está no âmago do devaneio
Está nos olhos do Pierrô.

Nunca revele as entrelinhas
Guarde-as para ti mesmo
Eis o teu tesouro
Tua fonte inegastável de energia
O escuro da tua paz,
O escuro da tua paz.

Está no cortelho dos magnatas
Está na malacia do distúrbio
Está além, e mais além.

Não se perca
Não siga as placas
Além, vá além, mais além.

Nunca revele as entrelinhas.
Nunca revele as entrelinhas.

(Dimas Gomes)

Monday, April 23, 2007

“... [a religião é] um sistema de doutrinas e promessas que, por um lado, lhe explicam os enigmas deste mundo com perfeição invejável e que, por outro lado, lhe garantem que uma Providência cuidadosa velará por sua vida e o compensará, numa existência futura, de quaisquer frustrações que tenha experimentado aqui. O homem comum só pode imaginar essa Providência sob a figura de um pai ilimitadamente engrandecido. Apenas um ser desse tipo pode compreender as necessidades dos filhos dos homens, enternecer-se com suas preces e aplacar-se com os sinais de seu remorso. Tudo é tão patentemente infantil, tão estranho à realidade, que, para qualquer pessoa que manifeste uma atitude amistosa em relação à humanidade, é penoso pensar que a grande maioria dos mortais nunca será capaz de superar essa visão da vida. Mais humilhante ainda é descobrir como é vasto o número de pessoas de hoje que não podem deixar de perceber que essa religião é insustentável e, não obstante isso, tentam defendê-la, item por item, numa série de lamentáveis atos retrógrados.”

(Sigmund Freud)
"(...)"Tudo flui", dizia Heráclito. Tudo está em movimento e nada dura para sempre. Por esta razão, "não podemos entrar duas vezes no mesmo rio". Isto porque quando entro pela segunda vez no rio, tanto eu quanto ele já estamos mudados."

Trecho de O Mundo de Sofia.

Saturday, April 21, 2007

Um Último Desafogo


Um último desafogo. Tudo que peço, imploro, suplico, ordeno. Assim soluçava o rapaz. Assim, com areia em uma das mãos, e na outra, um verso. Aflito, confessava. Um último grito, um último ataque de psicodelísmo. Tem de bons olhos, não ignore este plosão. Aparentava comentar consigo próprio, e suas lágrimas pareciam atentas às suas palavras. Estou fatigado dessa terra, desses pesares. Atormentado, agoniado, inquieto, angustiado. Aflogístico. Enraivecido, aparentava, enquanto cerrava a areia na palma de sua mão. Sua pele tintada de uma cor nunca vista. Acanhado, não suporto o peso meu. Não suporto as dúvidas minhas. E esta idéia, ensurdecedora, obrigo-me à detalhar, de partir, favorece-me às minhas defesas. Naquele momento, já não sabia diferir o eu do seu. Tudo lhe fluía tão coincidente. Assombrava-lhe o juízo de se submeter ao fim do eu. Tomou ar, e rendeu-se aos olhos seus, afoitos por abrir-se. Afinal, que arma seria mais letal que a ausência de outra? Que mágoa me doeria mais que a conformação de minha camuflada dormência? Que pensava o rapaz? Exuberava o eu a ponto de lhe seguir os conselhos impensados? A areia lhe fizera sangrar, e não percebera. Não havia quem percebesse. E então, gritou. Ah! Mas sois água apodrecida ainda que transparente, e transpiras o mal cheiro de um abutre entristecido. Olha-te, olha-te e mantêm os olhos teus abertos. Naquele momento, o escuro, o fim provisório. Minutos depois, a folha logo reconhecida. Então, continuara. Olha-te! A nostalgia incompreendida lhe tentou, porém continuou. Olha-te, e ao olhar, sente o sangue ferver serrilhado em tuas mãos. Agora, sua outra mão também sangrava, e igualmente, não percebera. Este sangue não é teu, seu tolo! Nem por começo é sangue o que escorre entre teus dedos calejados. Que energúmeno tu és. Não vê? Viu as letras tremerem, e gritou ao seu ouvido, para acalmar-se, como de costume. As letras voltaram a seus lugares, e pareceram entrelaçarem-se de forma erótica. Medíocre! O que ainda fazes neste recinto abandonado? Buscas o quê, em meio a tanto nada? Como ousas? Sentiu-se ousado, e apreciou aquele sentimento emprestado. Por poucos segundos, sentiu um vento árido lhe confortar o frio. É piedade o que queres? Piedade destes demônios disfarçados? Tu mal sabes, pobre verme, que eis o mal do mundo: os que se traem pela comiseração dos ao seu redor, pois hoje, tu arrancas destes uma, duas lágrimas até, e amanhã, és a comicidade de tais dias.

(Dimas Gomes)

Wednesday, April 18, 2007

Eis o delírio dos sóbrios, a ruína dos magnatas. Cortai o pulso do mavioso, e deglutirás a mordaz filaúcia. Extirpa o coração dos benévolos, e ainda assim, sangrarás em usura. Na candura das virgens, a fealdade dos demônios. O sublime prazer da criança, ignorância. Olhai os vales do passado, e verás somente o negrume rutilante. Orai ao esquizofrênico, e te assemelharás. Do dédalo da eternidade e do receio, somos prisioneiros. Na balbúrdia do sofrimento, gritarás ao silêncio, e hei sido criado o infinito eco. Bradaste a todo o universo nosso conformado desespero. E Deus, em ilibada onisciência, zomba, em condolência, de nossas angústias. Orai a ti mesmo, e terás ao menos a certeza da incerteza. Orai ao Diabo, e verás a graça em tanta penúria e desgraça, ao menos. Somos o pus dos vermes, os dejetos dos merdívoros. Somos a carnificina das partículas de nada. Somos o fim e o início de um misterioso tipo de inconstante constância.

(Dimas Gomes)

Destilando umas pitadas de pessimismo, mas sem perder a meiguice. x)

Tuesday, April 17, 2007

L'Arôme

Deixa pairar esse aroma de agonia, deixa...
Deixa, que eis a orquestra do museu de min'alma,
É do âmago do medo que vem a calma
Em forma de carta, de remetente a remetente

Como se das trevas, fosse eu descendente,
Cubro-me em tom negrume, porém reluzente,
Fantasio-me de minha maior revelação
Na contravenção de um demônio qualquer

E no estrilo renhido de um cordeiro
O suplício acanhado em desespero
Um silêncio seguido de silêncios

Do sangue jorrado, eis o herdeiro,
Nas curvas retas de um semideiro
A ressurreição dos sentimentos

(Dimas Gomes)
Ecrasez L'Infame



Eis o extrato de min'alma, o transparecer do meu inexistente. As palavras e a falta destas. Os murmúrios e os clamores. Eis-me aqui, em entrega e sacrifício. Na outorgação e na recusa. Meus devaneios e minhas verdades, e minhas mentiras mais sinceras. Eis os doces frutos da putrefação, e as sobras amargas dos banquetes. Eis candura e ironia, elogios e sarcasmos. Eis a minha ciência, a minha matemática, a minha história e a minha filosofia.

Lisez-moi, traduisez-moi.

Dimas Gomes.